AMOLA-TESOURAS II

Entre os ofícios em vias de extinção abordamos o de amolador, também conhecido por amola-tesouras, arte cujo declínio começou em meados do século passado. Sendo certo que para afiar uma faca, uma tesoura ou uma navalha de barbear são necessários conhecimentos e destreza que a generalidade das pessoas não tem, a maioria dos amoladores não se limitava a fazer isto. Aliás, a profissão tinha variantes com pouca ligação entre si. Por exemplo, que tem um guarda-chuva a ver com uma tesoura? E aquele, ou esta, com um prato de cerâmica ou com uma panela de alumínio? De facto, além de afiar tesouras, o artista consertava sombrinhas; aplicava rebites em furos de tachos e panelas, fossem elas de alumínio, zinco, ferro ou outro metal; reconstruía loiça cerâmica com a colocação de gatos (espécie de grampo metálico) nas rachas ou para a reunião das partes quebradas…
O equipamento principal do amolador era a Roda (estrutura em madeira, dotada com uma roda, que a tornava móvel), munida com um ou dois esmeris. Na posição vertical a Roda servia para afiar as tesouras, as facas e as navalhas de barbear. O amolador colocava uma correia a ligar a roda grande ao eixo que suportava os esmeris e impulsionava o pedal até atingir a rotação desejada no esmeril. Na posição horizontal a Roda funcionava como uma carro de mão para se deslocar e transportar a ferramenta de trabalho. Esta era constituída usualmente por alicates, martelos, sovelas, arame, cré, rebites, varetas e pano de guarda-chuva. Acontecia frequentemente que o amolador também tinha conhecimentos de funileiro e nesse caso juntava pelo menos um ferro de soldar, estanho, chapas de zinco de diferentes espessuras e uma palanca em ferro. Peça indispensável no equipamento do amola-tesouras era a “gaita”, um instrumento de sopro, uma espécie de flauta, metálica, que produzia o som característico com que anunciava a sua presença. A audição deste ruído era popularmente conhecida como indício de chuva para breve.
O amolador era nómada por natureza, deslocava-se a pé de aldeia em aldeia, empurrando a sua Roda, por vezes acompanhado de um burro que lhe carregava os pertences. A retribuição era frequentemente em géneros alimentares: carne “curada” no fumo ou no sal, azeite, batatas. Para comunicar entre si os amoladores tinham um dialecto próprio, o baralhete. Havia, entre os amoladores, muitos originários da Galiza.
Hoje já não se afiam tesouras nem navalhas de barbear; já ninguém pede para gatear um prato, rebitar um tacho ou substituir a vareta partida dum “chapéu-de-chuva”. Hoje a Roda virou peça de museu.

In Fórum da Quinta do Conde, Setembro de 2008

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